Um moço de dezoito anos, afetado de uma enfermidade do
coração, foi declarado incurável. A Ciência havia dito: Pode morrer dentro de oito
dias ou de dois anos, mas não irá além. Sabendo-o, o moço para logo abandonou
os estudos e entregou-se a excessos de todo o gênero.
Quando se lhe ponderava o perigo de uma vida desregrada,
respondia: Que me importa, se não tenho mais de dois anos de vida? De que me
serviria fatigar o espírito? Gozo o pouco que me resta e quero divertir-me até
o fim. — Eis a conseqüência lógica do niilismo. Se este moço fora espírita, teria dito: A morte só destruirá o
corpo, que deixarei como fato usado, mas o meu Espírito viverá.
Serei na vida futura aquilo que eu próprio houver feito de mim nesta
vida; do que nela puder adquirir em qualidades morais e intelectuais nada
perderei, porque será outro tanto de ganho para o meu adiantamento; toda a
imperfeição de que me livrar será um passo a mais para a felicidade. A minha
felicidade ou infelicidade depende da utilidade ou inutilidade da presente
existência. É portanto de meu interesse aproveitar o pouco tempo que me resta, e evitar tudo o que possa diminuir-me as forças. Qual destas
doutrinas é preferível?
Mas, se a religião se mostra impotente para sustar a incredulidade,
é que lhe falta alguma coisa na luta. Se por outro lado a religião se
condenasse à imobilidade, estaria, em dado tempo, dissolvida.
O que lhe falta neste século de positivismo, em que se procura
compreender antes de crer, é, sem dúvida, a sanção de suas doutrinas por fatos
positivos, assim como a concordância das mesmas com os dados positivos da Ciência. Dizendo
ela ser branco o que os fatos dizem ser negro, é preciso optar entre a
evidência e a fé cega.
4. É nestas circunstâncias que o Espiritismo vem
opor um dique à difusão da incredulidade, não somente pelo raciocínio, não
somente pela perspectiva dos perigos que ela acarreta, mas pelos fatos materiais,
tornando visíveis e tangíveis a alma e a vida futura.
Todos somos livres na escolha das nossas crenças; podemos crer
em alguma coisa ou em nada crer, mas aqueles que procuram fazer prevalecer no
espírito das massas, da juventude principalmente, a negação do futuro,
apoiando-se na autoridade do seu saber e no ascendente da sua posição, semeiam
na sociedade germens de perturbação e dissolução, incorrendo em grande
responsabilidade.
5. Há uma doutrina que se defende da pecha de
materialista porque admite a existência de um princípio inteligente fora da
matéria: é a da absorção no Todo Universal. Segundo esta doutrina, cada indivíduo assimila ao nascer uma
parcela desse princípio, que constitui sua alma, e dá-lhe vida, inteligência e
sentimento.
Pela morte, esta alma volta ao foco comum e perde-se no
infinito, qual gota dágua no oceano. Incontestavelmente esta doutrina é um
passo adiantado sobre o puro materialismo, visto como admite alguma coisa,
quando este nada admite. As conseqüências, porém, são exatamente as mesmas. Ser
o homem imerso em o nada ou no reservatório comum, é para ele a mesma coisa;
aniquilado ou perdendo a sua individualidade, é como se não existisse; as
relações sociais nem por isso deixam de romper-se, e para sempre.
O que lhe é essencial é a conservação do seu eu; sem este, que lhe importa ou não subsistir? O
futuro afigura-se-lhe sempre nulo, e a vida presente é a única coisa que o
interessa e preocupa. Sob o ponto de vista das conseqüências morais, esta doutrina
é, pois, tão insensata, tão desesperadora, tão subversiva como o materialismo propriamente dito.
6. Pode-se, além disso, fazer esta objeção: todas
as gotas dágua tomadas ao oceano se assemelham e possuem idênticas propriedades
como partes de um mesmo todo; por que, pois, as almas tomadas ao grande oceano
da inteligência universal tão pouco se assemelham? Por que o gênio e a
estupidez, as mais sublimes virtudes e os vícios mais ignóbeis? Por que a
bondade, a doçura, a mansuetude ao lado da maldade, da crueldade, da barbaria? Como podem ser
tão diferentes entre si as partes de um mesmo todo homogêneo? Dir-se-á que é a
educação que a modifica?
Neste caso donde vêm as qualidades inatas, as inteligências precoces,
os bons e maus instintos independentes de toda a educação e tantas vezes em
desarmonia com o meio no qual se desenvolvem?
Não resta dúvida de que a educação modifica as qualidades intelectuais
e morais da alma; mas aqui ocorre uma outra dificuldade: Quem dá a esta a
educação para fazê-la progredir? Outras almas que por sua origem comum não devem
ser mais adiantadas. Além disso, reentrando a alma no Todo Universal donde
saiu, e havendo progredido durante a vida, leva-lhe um elemento mais perfeito.
Daí se infere que esse Todo se encontraria, pela continuação, profundamente modificado
e melhorado. Assim, como se explica saírem incessantemente desse Todo almas
ignorantes e perversas?
7. Nesta doutrina, a fonte universal de
inteligência que abastece as almas humanas é independente da Divindade; não é
precisamente o panteísmo. O panteísmo propriamente dito considera o princípio universal de vida e de
inteligência como constituindo a Divindade. Deus é concomitantemente Espírito e
matéria; todos os seres, todos os corpos da Natureza compõem a Divindade, da
qual são as moléculas e os elementos constitutivos; Deus é o conjunto de todas
as inteligências reunidas; cada indivíduo, sendo uma parte do todo, é Deus ele próprio;
nenhum ser superior e independente rege o conjunto; o Universo é uma imensa
república sem chefe, ou antes, onde cada qual é chefe com poder absoluto.
8. A este sistema podem opor-se inumeráveis
objeções, das quais são estas as principais: não se podendo conceber divindade sem
infinita perfeição, pergunta-se como um todo perfeito pode ser formado de
partes tão imperfeitas, tendo necessidade de progredir? Devendo cada parte ser
submetida à lei do progresso, força é convir que o próprio Deus deve progredir;
e se Ele progride constantemente, deveria ter sido, na origem dos tempos, muito
imperfeito.
E como pôde um ser imperfeito, formado de idéias tão divergentes,
conceber leis tão harmônicas, tão admiráveis de unidade, de sabedoria e
previdência quais as que regem o Universo? Se todas as almas são porções da
Divindade, todos concorreram para as leis da Natureza; como sucede, pois, que
elas murmurem sem cessar contra essas leis que são obra sua? Uma teoria não pode ser aceita como verdadeira senão com a cláusula de satisfazer a razão e dar
conta de todos os fatos que abrange; se um só fato lhe trouxer um desmentido, é que não contém a verdade absoluta.
Do livro: “O
Céu e o Inferno” Allan Kardec - Feb.
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