30. O Espiritismo, partindo das próprias palavras do
Cristo, como este partiu das de Moisés, é conseqüência direta da sua doutrina.
À idéia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da existência do mundo
invisível que nos rodeia e povoa o espaço, e com isso precisa a crença, dá-lhe
um corpo, uma consistência, uma realidade à idéia. Define os laços que unem a
alma ao corpo e levanta o véu que ocultava aos homens os mistérios do
nascimento e da morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe donde vem, para onde vai,
por que está na Terra, por que sofre temporariamente e vê por toda parte a
justiça de Deus. Sabe que a alma progride incessantemente, através de uma série
de existências sucessivas, até atingir o grau de perfeição que a aproxima de Deus.
Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de origem, são
criadas iguais, com idêntica aptidão para progredir, em virtude do seu livre-arbítrio;
que todas são da mesma essência e que não há entre elas diferença, senão quanto
ao progresso realizado; que todas têm o mesmo destino e alcançarão a mesma meta,
mais ou menos rapidamente, pelo trabalho e boa vontade.
Sabe que não há criaturas deserdadas, nem mais favorecidas umas
do que outras; que Deus a nenhuma criou privilegiada e dispensada do trabalho
imposto às outras para progredirem; que não há seres perpetuamente votados ao
mal e ao sofrimento; que os que se designam pelo nome de demônios são Espíritos
ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal no espaço, como o praticavam na
Terra, mas que se adiantarão e aperfeiçoarão; que os anjos ou Espíritos puros
não são seres à parte na criação, mas Espíritos que chegaram à meta, depois de
terem percorrido a estrada do progresso; que, por essa forma, não há criações
múltiplas, nem diferentes categorias entre os seres inteligentes, mas que toda
a criação deriva da grande lei de unidade que rege o Universo e que todos os
seres gravitam para um fim comum que é a perfeição, sem que uns sejam
favorecidos à custa de outros, visto serem todos filhos das suas próprias
obras.
31. Pelas relações que hoje pode estabelecer com
aqueles que deixaram a Terra, possui o homem não só a prova material da
existência e da individualidade da alma, como também compreende a solidariedade
que liga os vivos aos mortos deste mundo e os deste mundo aos dos outros
planetas. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos, acompanha-os em
suas migrações, aprecia-lhes as alegrias e as penas; sabe a razão por que são
felizes ou infelizes e a sorte que lhes está reservada, conforme o bem ou o mal
que fizerem.
Essas relações iniciam o homem na vida futura, que ele pode
observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é
uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza matemática. Desde então, a
morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a libertação, a porta da
verdadeira vida.
32. Pelo estudo da situação dos Espíritos, o homem
sabe que a felicidade e a desdita, na vida espiritual, são inerentes ao grau de
perfeição e de imperfeição; que cada qual sofre as conseqüências diretas e
naturais de suas faltas, ou, por outra, que é punido no que pecou; que essas
consequências duram tanto quanto a causa que as produziu; que, por conseguinte,
o culpado sofreria eternamente, se persistisse no mal, mas que o sofrimento
cessa com o arrependimento e a reparação; ora, como depende de cada um o seu
aperfeiçoamento, todos podem, em virtude do livre-arbítrio, prolongar ou abreviar
seus sofrimentos, como o doente sofre, pelos seus excessos, enquanto não lhes
põe termo.
33. Se a razão repele, como incompatível com a
bondade de Deus, a idéia das penas irremissíveis, perpétuas e absolutas, muitas
vezes infligidas por uma única falta; a dos suplícios do inferno, que não podem
ser minorados nem sequer pelo arrependimento mais ardente e mais sincero, a mesma
razão se inclina diante dessa justiça distributiva e imparcial, que leva tudo
em conta, que nunca fecha a porta ao arrependimento e estende constantemente a
mão ao náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.
34. A pluralidade das existências, cujo princípio o
Cristo estabeleceu no Evangelho, sem todavia defini-lo como a muitos outros, é
uma das mais importantes leis reveladas pelo Espiritismo, pois que lhe
demonstra a realidade e a necessidade para o progresso. Com esta lei, o homem
explica todas as aparentes anomalias da vida humana; as diferenças de posição social;
as mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis à alma as
existências breves; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais, pela
ancianidade do Espírito que mais ou menos aprendeu e progrediu, e traz, nascendo,
o que adquiriu em suas existências anteriores (nº 5).
35. Com a doutrina da criação da alma no instante do
nascimento, vem-se a cair no sistema das criações privilegiadas; os homens são
estranhos uns aos outros, nada os liga, os laços de família são puramente
carnais; não são de nenhum modo solidários com um passado em que não existiam; com
a doutrina do nada após a morte, todas as relações cessam com a vida; os seres
humanos não são solidários no futuro. Pela reencarnação, são solidários no
passado e no futuro e, como as suas relações se perpetuam, tanto no mundo
espiritual como no corporal, a fraternidade tem por base as próprias leis da Natureza;
o bem tem um objetivo e o mal conseqüências inevitáveis.
36. Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos
de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre,
capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou
mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da
escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que
prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação
funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda
na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da
liberdade.
37. Tirai ao homem o Espírito livre e independente,
sobrevivente à matéria, e fareis dele uma simples máquina organizada, sem
finalidade, nem responsabilidade; sem outro freio além da lei civil e própria a ser explorada como um animal inteligente. Nada esperando depois da morte, nada
obsta a que aumente os gozos do presente; se sofre, só tem a perspectiva do
desespero e o nada como refúgio. Com a certeza do futuro, com a de encontrar de
novo aqueles a quem amou e com o temor de tornar a ver aqueles a quem ofendeu, todas as suas idéias mudam. O Espiritismo, ainda que só
fizesse forrar o homem à dúvida relativamente à vida futura, teria feito mais
pelo seu aperfeiçoamento moral do que todas as leis disciplinares, que o detêm
algumas vezes, mas que o não transformam.
38. Sem a preexistência da alma, a doutrina do
pecado original não seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que
tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um
contra-senso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma
não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade
remonte.
Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das
suas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos
instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original, cujas conseqüências
naturalmente sofre, mas com a diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de
outrem; e com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente eqüitativa, de que cada
existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer
adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual,
eterna e bem-aventurada. Pela mesma razão, aquele que progrediu
moralmente traz, ao renascer, qualidades naturais, como o que progrediu intelectualmente traz idéias inatas;
identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem pensar. Aquele que é obrigado a combater as
suas más tendências vive ainda em luta; o primeiro já venceu, o segundo procura vencer. Existe, pois, a virtude original, como existe o saber original, e o pecado ou, antes, o vício original.
39. O Espiritismo experimental estudou as
propriedades dos fluidos espirituais e a ação deles sobre a matéria. Demonstrou
a existência do perispírito, suspeitado desde a antigüidade e designado por S. Paulo sob o nome de corpo espiritual, isto é, corpo
fluídico da alma, depois da destruição do corpo tangível. Sabe-se hoje que esse
invólucro é inseparável da alma, forma um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo
da transmissão do pensamento e, durante a vida do corpo, serve de laço entre o Espírito
e a matéria. O perispírito representa importantíssimo papel no organismo e numa
multidão de afecções, que se ligam à fisiologia, assim como à psicologia.
40. O estudo das propriedades do perispírito, dos
fluidos espirituais e dos atributos fisiológicos da alma abre novos horizontes
à Ciência e dá a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos até então,
por falta de conhecimento da lei que os rege — fenômenos negados pelo materialismo,
por se prenderem à espiritualidade, e qualificados como milagres ou sortilégios
por outras crenças. Tais são, entre muitos, os fenômenos da vista dupla, da
visão a distância, do sonambulismo natural e artificial, dos efeitos psíquicos
da catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos, das aparições,
das transfigurações, da transmissão do pensamento, da fascinação, das curas
instantâneas, das obsessões e possessões, etc. Demonstrando que esses fenômenos
repousam em leis naturais, como os fenômenos elétricos, e em que condições
normais se podem reproduzir, o Espiritismo derroca o império do maravilhoso e
do sobrenatural e, conseguintemente, a fonte da maior parte das superstições.
Se faz se creia na possibilidade de certas coisas consideradas por alguns como
quiméricas, também impede que se creia em muitas outras, das quais ele
demonstra a impossibilidade e a irracionalidade.
41. O Espiritismo, longe de negar ou destruir o
Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pela novas
leis da Natureza, que revela, tudo quanto o Cristo disse e fez; elucida os pontos
obscuros do ensino cristão, de tal sorte que aqueles para quem eram ininteligíveis
certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e admitem, sem dificuldade, com o auxílio desta doutrina; vêem melhor o seu alcance e podem distinguir entre
a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece maior: já não é simplesmente um
filósofo, é um Messias divino.
42. Demais, se se considerar o poder moralizador do
Espiritismo, pela finalidade que assina a todas as ações da vida, por tornar
quase tangíveis as conseqüências do bem e do mal, pela força moral, a coragem e
as consolações que dá nas aflições, mediante inalterável confiança no futuro,
pela idéia de ter cada um perto de si os seres a quem amou, a certeza de os
rever, a possibilidade de confabular com eles; enfim, pela certeza de que tudo
quanto se fez, quanto se adquiriu em inteligência, sabedoria, moralidade, até à última hora da vida, não fica
perdido, que tudo aproveita ao adiantamento do Espírito, reconhece-se que o
Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora,
como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa da
sua vinda se acha por essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador.1
1 Muitos pais
deploram a morte prematura dos filhos, para cuja educação fizeram grandes
sacrifícios, e dizem consigo mesmos que tudo foi em pura perda. À luz do
Espiritismo, porém, não lamentam esses sacrifícios e estariam prontos a fazê-los,
mesmo tendo a certeza de que veriam morrer seus filhos, porque sabem que se
estes não a aproveitam na vida presente, essa educação servirá, primeiro que tudo,
para o seu adiantamento espiritual; e, mais, que serão aquisições novas para
outra existência e que, quando voltarem a este mundo, terão um patrimônio
intelectual que os tornará mais aptos a adquirirem novos conhecimentos.
Tais essas crianças
que trazem, ao nascer, idéias inatas — que sabem, por assim dizer, sem
precisarem aprender. Se os pais não têm a satisfação imediata de ver os filhos
aproveitarem da educação que lhes deram, gozá-la-ão certamente mais tarde, quer
como Espíritos, quer como homens. Talvez sejam eles de novo os pais desses
mesmos filhos, que se apontam como afortunadamente dotados pela natureza e que
devem as suas aptidões a uma educação precedente; assim também, se os filhos se
desviam para o mal, pela negligência dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde
desgostos e pesares que àqueles suscitarão em nova existência. (O Evangelho segundo
o Espiritismo,
cap. V, nº 21; “Mortes prematuras”.)
43. Se a estes resultados adicionarmos a rapidez
prodigiosa da propagação do Espiritismo, apesar de tudo quanto fazem por
abatê-lo, não se poderá negar que a sua vinda seja providencial, visto como ele
triunfa de todas as forças e de toda a má vontade dos homens. A facilidade com
que é aceito por grande número de pessoas, sem constrangimento, apenas pelo
poder da idéia, prova que ele corresponde a uma necessidade, qual a de crer o
homem em alguma coisa para encher o vácuo aberto pela incredulidade e que, portanto,
veio no momento preciso.
44. São em grande número os aflitos; não é, pois, de
admirar que tanta gente acolha uma doutrina que consola, de preferência às que
desesperam, porque aos deserdados, mais do que aos felizes do mundo, é que o
Espiritismo se dirige.
O doente vê chegar o médico com maior satisfação do que aquele que está bem de saúde; ora, os aflitos são os doentes e o
Consolador é o médico. Vós que combateis o Espiritismo, se quereis que o
abandonemos para vos seguir, dai-nos mais e melhor do que ele; curai com maior
segurança as feridas da alma. Dai mais consolações, mais satisfações ao
coração, esperanças mais legítimas, maiores certezas; fazei do futuro um quadro
mais racional, mais sedutor; porém, não julgueis vencê-lo com a perspectiva do
nada, com a alternativa das chamas do inferno, ou com a inútil contemplação
perpétua.
45. A primeira revelação teve a sua personificação
em Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem em indivíduo algum. As
duas primeiras foram individuais, a terceira coletiva; aí está um caráter
essencial de grande importância. Ela é coletiva no sentido de não ser feita ou
dada como privilégio a pessoa alguma; ninguém, por conseqüência, pode inculcar-se
como seu profeta exclusivo; foi espalhada simultaneamente, por sobre a Terra, a
milhões de pessoas, de todas as idades e condições, desde a mais baixa até a mais
alta da escala, conforme esta predição registrada pelo autor dos Atos dos
Apóstolos: “Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei o meu espírito sobre
toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, os mancebos terão visões,
e os velhos, sonhos.” (Atos, 2:17-18.) Ela não proveio de nenhum culto especial,
a fim de servir um dia, a todos, de ponto de ligação.1
1 O nosso papel
pessoal, no grande movimento de idéias que se prepara pelo Espiritismo e que
começa a operar-se, é o de um observador atento, que estuda os fatos para lhes
descobrir a causa e tirar-
46. As duas primeiras revelações, sendo fruto do
ensino pessoal, ficaram forçosamente localizadas, isto é, apareceram num só
ponto, em torno do qual a idéia se propagou pouco a pouco; mas, foram precisos
muitos séculos para que atingissem as extremidades do mundo, sem mesmo o invadirem
inteiramente A terceira tem isto de particular: não estando personificada em um
só indivíduo, surgiu simultaneamente em milhares de pontos diferentes, que se tornaram
centros ou focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros, seus raios se
reúnem pouco a pouco, como os círculos formados por uma multidão de pedras
lançadas na água, de tal sorte que, em dado tempo, acabarão por cobrir toda a
superfície do globo. Essa uma das causas da rápida propagação da doutrina. Se
ela tivesse surgido num só ponto, se fosse-lhes as conseqüências. Confrontamos
todos os que nos têm sido possível reunir, comparamos e comentamos as
instruções dadas pelos Espíritos em todos os pontos do globo e depois
coordenamos metodicamente o conjunto; em suma, estudamos e demos ao público o
fruto das nossas indagações, sem atribuirmos aos nossos trabalhos valor maior
do que o de uma obra filosófica deduzida da observação e da experiência, sem
nunca nos considerarmos chefe da doutrina, nem procurarmos impor as nossas
idéias a quem quer que seja. Publicando-as, usamos de um direito comum e
aqueles que as aceitaram o fizeram livremente. Se essas idéias acharam numerosas
simpatias, é porque tiveram a vantagem de corresponder às aspirações de
avultado número de criaturas, mas disso não colhemos vaidade alguma, dado que a
sua origem não nos pertence.
O nosso maior mérito é a perseverança e a dedicação à causa que
abraçamos. Em tudo isso, fizemos o que outro qualquer poderia ter feito como
nós, razão pela qual nunca tivemos a pretensão de nos julgarmos profeta ou messias,
nem, ainda menos, de nos apresentarmos como tal.
obra exclusiva de um homem, houvera formado seitas em torno
dela; e talvez decorresse meio século sem que ela atingisse os limites do país
onde começara, ao passo que, após dez anos, já estende raízes de um pólo a
outro.
47. Esta circunstância, inaudita na história das
doutrinas, lhe dá força excepcional e irresistível poder de ação; de fato, se a
perseguirem num ponto, em determinado país, será materialmente impossível que a
persigam em toda parte e em todos os países. Em contraposição a um lugar onde
lhe embaracem a marcha, haverá mil outros em que florescerá. Ainda mais: se a
ferirem num indivíduo, não poderão feri-la nos Espíritos, que são a fonte donde
ela promana. Ora, como os Espíritos estão em toda parte e existirão sempre, se,
por um acaso impossível, conseguissem sufocá-la em todo o globo, ela reapareceria
pouco tempo depois, porque repousa sobre um fato que está na Natureza e não se
podem suprimir as leis da Natureza. Eis aí o de que se devem persuadir aqueles
que sonham com o aniquilamento do Espiritismo. (Revue Spirite, fev. 1865, pág. 38: “Da Perpetuidade do Espiritismo”.)
48. Entretanto, disseminados os centros, poderiam
ainda permanecer por muito tempo isolados uns dos outros, confinados como estão
alguns em países longínquos. Faltava entre eles uma ligação, que os pusesse em
comunhão de idéias com seus irmãos em crença, informando-os do que se fazia
algures. Esse traço de união, que na antiguidade teria faltado ao Espiritismo, hoje
existe nas publicações que vão a toda parte, condensando, sob uma forma única,
concisa e metódica, o ensino dado universalmente sob formas múltiplas e nas
diversas línguas.1
49. As duas primeiras revelações só podiam resultar
de um ensino direto; como os homens não estivessem ainda bastante adiantados a
fim de concorrerem para a sua elaboração, elas tinham que ser impostas pela fé,
sob a autoridade da palavra do Mestre. Contudo, notam-se entre as duas bem sensível diferença, devida
ao progresso dos costumes e das idéias, se bem que feitas ao mesmo povo e no
mesmo meio, mas com dezoito séculos de intervalo. A doutrina de Moisés é
absoluta, despótica; não admite discussão e se impõe ao povo pela força. A de
Jesus é essencialmente conselheira; é livremente aceita e só se impõe pela persuasão; foi
controvertida desde o tempo do seu fundador, que não desdenhava de discutir com
os seus adversários.
50. A terceira revelação, vinda numa época de
emancipação e madureza intelectual, em que a inteligência, já desenvolvida, não
se resigna a representar papel passivo; em que o homem nada aceita às cegas,
mas quer ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de cada coisa — tinha
ela que ser ao mesmo tempo o produto de um ensino e o fruto do trabalho, da
pesquisa e do livre-exame. Os Espíritos não ensinam senão justamente o que é mister para guiá-lo no caminho da verdade, mas abstêm-se de
revelar o que o homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o1 Nota da Editora: Assim compreendendo, a Federação Espírita Brasileira passou a
publicar obras espíritas na língua internacional — o Esperanto.
Cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes, que adquira experiência à sua custa. Fornecem-lhe o princípio, os materiais; cabe-lhe a ele aproveitá-los e pô-los em obra (nº 15).
Cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes, que adquira experiência à sua custa. Fornecem-lhe o princípio, os materiais; cabe-lhe a ele aproveitá-los e pô-los em obra (nº 15).
51. Tendo sido os elementos da revelação espírita
ministrados simultaneamente em muitos pontos, a homens de todas as condições
sociais e de diversos graus de instrução, é claro que as observações não podiam
ser feitas em toda parte com o mesmo resultado; que as conseqüências a tirar, a
dedução das leis que regem esta ordem de fenômenos, em suma, a conclusão sobre
que haviam de firmar-se as idéias não podiam sair senão do conjunto e da
correlação dos fatos. Ora, cada centro isolado, circunscrito dentro de um
círculo restrito, não vendo as mais das vezes senão uma ordem particular de fatos,
não raro contraditórios na aparência, geralmente provindo de uma mesma
categoria de Espíritos e, ao demais, embaraçados por influências locais e pelo
espírito de partido, se achava na impossibilidade material de abranger o conjunto
e, por isso mesmo, incapaz de conjugar as observações isoladas a um princípio comum.
Apreciando cada qual os fatos sob o ponto de vista dos seus conhecimentos e
crenças anteriores, ou da opinião especial dos Espíritos que se manifestassem,
bem cedo teriam surgido tantas teorias e sistemas, quantos fossem os centros,
todos incompletos por falta de elementos de comparação e exame. Numa palavra,
cada qual se teria imobilizado na sua revelação parcial, julgando possuir toda a
verdade, ignorando que em cem outros lugares se obtinha mais ou melhor.
52. Além disso, convém notar que em parte alguma o
ensino espírita foi dado integralmente; ele diz respeito a tão grande número de
observações, a assuntos tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões
mediúnicas especiais, que impossível era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas
as condições necessárias. Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os Espíritos
dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de estudo e observação como, em
algumas fábricas, a confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por
diversos operários.
A revelação fez-se assim parcialmente em diversos lugares e por uma multidão de intermediários e é dessa maneira que prossegue ainda, pois que nem tudo foi revelado. Cada centro encontra nos outros centros o complemento do que obtém, e foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que constituíram a doutrina espírita. Era, pois, necessário grupar os fatos espalhados, para se lhes apreender a correlação, reunir os documentos diversos, as instruções dadas pelos Espíritos sobre todos os pontos e sobre todos os assuntos, para as comparar, analisar, estudar-lhes as analogias e as diferenças. Vindo as comunicações de Espíritos de todas as ordens, mais ou menos esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão permitia conceder-lhes, distinguir as idéias sistemáticas individuais ou isoladas das que tinham a sanção do ensino geral dos Espíritos, as utopias das idéias práticas, afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência positiva e da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações fornecidas pelos Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento do estado do mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo. Era preciso, numa palavra, um centro de elaboração, independente de qualquer idéia preconcebida, de todo prejuízo de seita, resolvido a aceitar a verdade tornada evidente, embora contrária às opiniões pessoais. Este centro se formou por si mesmo, pela força das coisas e sem desígnio premeditado.1
A revelação fez-se assim parcialmente em diversos lugares e por uma multidão de intermediários e é dessa maneira que prossegue ainda, pois que nem tudo foi revelado. Cada centro encontra nos outros centros o complemento do que obtém, e foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que constituíram a doutrina espírita. Era, pois, necessário grupar os fatos espalhados, para se lhes apreender a correlação, reunir os documentos diversos, as instruções dadas pelos Espíritos sobre todos os pontos e sobre todos os assuntos, para as comparar, analisar, estudar-lhes as analogias e as diferenças. Vindo as comunicações de Espíritos de todas as ordens, mais ou menos esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão permitia conceder-lhes, distinguir as idéias sistemáticas individuais ou isoladas das que tinham a sanção do ensino geral dos Espíritos, as utopias das idéias práticas, afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência positiva e da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações fornecidas pelos Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento do estado do mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo. Era preciso, numa palavra, um centro de elaboração, independente de qualquer idéia preconcebida, de todo prejuízo de seita, resolvido a aceitar a verdade tornada evidente, embora contrária às opiniões pessoais. Este centro se formou por si mesmo, pela força das coisas e sem desígnio premeditado.1
1 O Livro dos
Espíritos, a
primeira obra que levou o Espiritismo a ser considerado de um ponto de vista
filosófico, pela dedução das consequências morais dos fatos; que considerou
todas as partes da doutrina, tocando nas questões mais importantes que ela
suscita, foi, desde o seu aparecimento, o ponto para onde convergiram
espontaneamente os trabalhos individuais. É notório que da publicação desse
livro data a era do Espiritismo filosófico, até então conservado no domínio das
experiências curiosas. Se esse livro conquistou as simpatias da maioria é que
exprimia os sentimentos dela, correspondia às suas aspirações e encerrava
também a confirmação e a explicação racional do que cada um obtinha em
particular. Se estivesse em desacordo com o ensino geral dos Espíritos, teria caído
no descrédito e no esquecimento. Ora, qual foi aquele ponto de convergência?
Decerto não foi o homem, que nada vale por si mesmo, que morre e desaparece;
mas, a idéia, que não fenece quando emana de uma fonte superior ao homem.
Essa espontânea
concentração de forças dispersas deu lugar a uma amplíssima correspondência,
monumento único no mundo, quadro vivo da verdadeira história do Espiritismo
moderno, onde se refletem ao mesmo tempo os trabalhos parciais, os sentimentos múltiplos
que a doutrina fez nascer, os resultados morais, as dedicações, os
desfalecimentos; arquivos preciosos para a posteridade, que poderá julgar
os homens e as coisas através de documentos autênticos. Em presença desses testemunhos
inexpugnáveis, a que se reduzirão, com o tempo, todas as falsas alegações da
inveja e do ciúme?...
53. De todas essas coisas, originou-se dupla
corrente de idéias: umas, dirigindo-se das extremidades para o centro; as
outras encaminhando-se do centro para a circunferência. Desse modo, a doutrina
caminhou rapidamente para a unidade, malgrado à diversidade das fontes donde
promanou; os sistemas divergentes ruíram pouco a pouco, devido ao isolamento em
que ficaram, diante do ascendente da opinião da maioria, em a qual não
encontraram repercussão simpática. Desde então, uma comunhão de idéias se
estabeleceu entre os diversos centros parciais. Falando a mesma linguagem
espiritual, eles se entendem e estimam, de um extremo a outro do mundo. Sentiram-se
assim mais fortes os espíritas, lutaram com mais coragem, caminharam com passo mais firme, desde que não
mais se viram insulados, desde que perceberam um ponto de apoio, um laço a
prendê-los à grande família. Não mais lhes pareceram singulares, anormais, nem contraditórios
os fenômenos que presenciavam, desde que puderam conjugá-los a leis gerais e
descobrir um fim grandioso e humanitário em todo o conjunto.1
1 Significativo
testemunho, tão notável quão tocante, dessa comunhão de idéias que se
estabeleceu entre os espíritas, pela conformidade de suas crenças, são os pedidos
de preces que nos chegam dos mais distantes países, desde o Peru até as
extremidades da Ásia, feitos por pessoas de religiões e nacionalidades diversas
e as quais nunca vimos. Não é isso um prelúdio da grande unificação que se
prepara? Não é a prova de que por toda parte o Espiritismo lança raízes fortes?
Digno de nota é
que, de todos os grupos que se têm formado com a intenção premeditada de abrir
cisão, proclamando princípios divergentes, do mesmo modo que de todos quantos,
apoiando-se Mas, como se há de saber se um princípio é ensinado por toda parte,
ou se apenas exprime uma opinião pessoal?
Não estando os grupos independentes em condições de saber o que se diz alhures, necessário se fazia que um centro reunisse todas as instruções, para proceder a uma espécie de apuro das vozes e transmitir a todos a opinião da maioria.1 em razões de amor-próprio ou outras quaisquer, para não parecer que se submetem à lei comum, se consideraram fortes bastante para caminhar sozinhos, possuidores de luzes suficientes para prescindirem de conselhos, nenhum chegou a construir uma idéia que fosse preponderante e viável. Todos se extinguiram ou vegetaram na sombra. Nem de outro modo poderia ser, dado que, para se exalçarem, em vez de se esforçarem por proporcionar maior soma de satisfações, rejeitavam princípios da doutrina, precisamente o que de mais atraente há nela, o que de mais consolador ela contém e de mais racional. Se houvessem compreendido a força dos elementos morais que lhe constituíram a unidade, não se teriam embalado com ilusões quiméricas. Ao contrário, tomando como se fosse o Universo o pequeno círculo que constituíam, não viram nos adeptos mais do que uma camarilha facilmente derrubável por outra camarilha. Era equivocar-se de modo singular, no tocante aos caracteres essenciais da doutrina e semelhante erro só decepções podia acarretar. Em lugar de romperem a unidade, quebraram o único laço que lhes podia dar força e vida. (Veja-se: Revue Spirite, abril de 1866, págs. 106 e 111: “O Espiritismo sem os Espíritos: o Espiritismo independente”.)
Não estando os grupos independentes em condições de saber o que se diz alhures, necessário se fazia que um centro reunisse todas as instruções, para proceder a uma espécie de apuro das vozes e transmitir a todos a opinião da maioria.1 em razões de amor-próprio ou outras quaisquer, para não parecer que se submetem à lei comum, se consideraram fortes bastante para caminhar sozinhos, possuidores de luzes suficientes para prescindirem de conselhos, nenhum chegou a construir uma idéia que fosse preponderante e viável. Todos se extinguiram ou vegetaram na sombra. Nem de outro modo poderia ser, dado que, para se exalçarem, em vez de se esforçarem por proporcionar maior soma de satisfações, rejeitavam princípios da doutrina, precisamente o que de mais atraente há nela, o que de mais consolador ela contém e de mais racional. Se houvessem compreendido a força dos elementos morais que lhe constituíram a unidade, não se teriam embalado com ilusões quiméricas. Ao contrário, tomando como se fosse o Universo o pequeno círculo que constituíam, não viram nos adeptos mais do que uma camarilha facilmente derrubável por outra camarilha. Era equivocar-se de modo singular, no tocante aos caracteres essenciais da doutrina e semelhante erro só decepções podia acarretar. Em lugar de romperem a unidade, quebraram o único laço que lhes podia dar força e vida. (Veja-se: Revue Spirite, abril de 1866, págs. 106 e 111: “O Espiritismo sem os Espíritos: o Espiritismo independente”.)
1 Esse o objeto das
nossas publicações, que se podem considerar o resultado de um trabalho de
apuro. Nelas, todas as opiniões são discutidas, mas as questões somente são
apresentadas em forma de princípios, depois de haverem recebido a consagração
de todas as comprovações, as quais, só elas, lhes podem imprimir força de lei e
permitir afirmações. Eis por que não preconizamos levianamente nenhuma teoria e
é nisso exatamente que a doutrina, decorrendo do ensino geral, não representa
produto de um sistema preconcebido. É também donde tira a sua força e o que lhe
garante o futuro.
Do livro: “A
GÊNESE” OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO – POR ALLAN KARDEC - Editora Feb
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