quarta-feira, 3 de julho de 2013

Caráter da revelação espírita – 4ª Parte











54. Nenhuma ciência existe que haja saído prontinha do cérebro de um homem. Todas, sem exceção de nenhuma, são fruto de observações sucessivas, apoiadas em observações precedentes, como em um ponto conhecido, para chegar ao desconhecido. Foi assim que os Espíritos procederam, com relação ao Espiritismo. Daí o ser gradativo o ensino que ministram. Eles não enfrentam as questões, senão à medida que os princípios sobre que hajam de apoiar-se estejam suficientemente elaborados e amadurecida bastante a opinião para os assimilar. É mesmo de notar-se que, de todas as vezes que os centros particulares têm querido tratar de questões prematuras, não obtiveram mais do que respostas contraditórias, nada concludentes. Quando, ao contrário, chega o momento oportuno, o ensino se generaliza e se unifica na quase universalidade dos centros. Há, todavia, capital diferença entre a marcha do Espiritismo e a das ciências; a de que estas não atingiram o ponto que alcançaram, senão após longos intervalos, ao passo que alguns anos bastaram ao Espiritismo, quando não a galgar o ponto culminante, pelo menos a recolher uma soma de observações bem grande para formar uma doutrina. Decorre esse fato de ser inumerável a multidão de Espíritos que, por vontade de Deus, se manifestaram simultaneamente, trazendo cada um o contingente de seus conhecimentos. Resultou daí que todas as partes da doutrina, em vez de serem elaboradas sucessivamente durante longos anos, o foram quase ao mesmo tempo, em alguns anos apenas, e que bastou reuni-las para que estruturassem um todo.
Quis Deus fosse assim, primeiro, para que o edifício mais rapidamente chegasse ao ápice; em seguida, para que se pudesse, por meio da comparação, conseguir uma verificação, a bem dizer imediata e permanente, da universalidade do ensino, nenhuma de suas partes tendo valor, nem autoridade, a não ser pela sua conexão com o conjunto, devendo todos harmonizar-se, colocado cada um no devido lugar e vindo cada um na hora oportuna. 
Não confiando a um único Espírito o encargo de promulgar a doutrina, quis Deus, também, que, assim o mais pequenino, como o maior, tanto entre os Espíritos, quanto entre os homens, trouxesse sua pedra para o edifício, a fim de estabelecer entre eles um laço de solidariedade cooperativa, que faltou a todas as doutrinas decorrentes de um tronco único. Por outro lado, dispondo todo Espírito, como todo homem, apenas de limitada soma de conhecimentos, não estavam eles aptos, individualmente, a tratar ex-professo das inúmeras questões que o Espiritismo envolve. Essa ainda uma razão por que, em cumprimento dos desígnios do Criador, não podia a doutrina ser obra nem de um só Espírito, nem de um só médium. Tinha que emergir da coletividade dos trabalhos, comprovados uns pelos outros.1


55. Um último caráter da revelação espírita, a ressaltar das condições mesmas em que ela se produz, é que, apoiando-se em fatos, tem que ser, e não pode deixar de ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Pela sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposi-

1 Veja-se, em O Evangelho segundo o Espiritismo, “Introdução”, item II, e Revue Spirite, de abril de 1864, pág. 99: “Autoridade da Doutrina Espírita; controle universal do ensino dos Espíritos”.


ção das leis da Natureza, com relação a certa ordem de fatos, não pode ser contrária às leis de Deus, autor daquelas leis. As descobertas que a Ciência realiza, longe de o rebaixarem, glorificam a Deus; unicamente destroem o que os homens edificaram sobre as falsas idéias que formaram de Deus.
O Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.1

56. Qual a utilidade da doutrina moral dos Espíritos, uma vez que não difere da do Cristo? Precisa o homem de1 Diante de declarações tão nítidas e tão categóricas, quais as que se contêm neste capítulo, caem por terra todas as alegações de tendências ao absolutismo e à autocracia dos princípios, bem como todas as falsas assimilações que algumas pessoas prevenidas ou mal informadas emprestam à doutrina. Não são novas, aliás, estas declarações; temo-las repetido muitíssimas vezes nos nossos escritos, para que nenhuma dúvida persista a tal respeito. Elas, ao demais, assinalam o verdadeiro papel que nos cabe, único que ambicionamos: o de mero trabalhador. Uma revelação? Não pode achar em si próprio tudo o que lhe é necessário para conduzir-se? Do ponto de vista moral, é fora de dúvida que Deus outorgou ao homem um guia, dando-lhe a consciência, que lhe diz: “Não faças a outrem o que não quererias te fizessem.”
A moral natural está positivamente inscrita no coração dos homens; porém, sabem todos lê-la nesse livro? Nunca lhe desprezaram os sábios preceitos? Que fizeram da moral do Cristo? Como a praticam mesmo aqueles que a ensinam? Reprovareis que um pai repita a seus filhos dez vezes, cem vezes as mesmas instruções, desde que eles não as sigam? Por que haveria Deus de fazer menos do que um pai de família? Por que não enviaria, de tempos a tempos, mensageiros especiais aos homens, para lhes lembrar os deveres e reconduzi-los ao bom caminho, quando deste se afastam; para abrir os olhos da inteligência aos que os trazem fechados, assim como os homens mais adiantados enviam missionários aos selvagens e aos bárbaros? 
A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pela razão de que não há outra melhor. Mas, então, de que serve o ensino deles, se apenas repisam o que já sabemos? Outro tanto se poderia dizer da moral do Cristo, que já Sócrates e Platão ensinaram quinhentos anos antes e em termos quase idênticos. O mesmo se poderia dizer também das de todos os moralistas, que nada mais fazem do que repetir a mesma coisa em todos os tons e sob todas as formas. Pois bem! os Espíritos vêm, muito simplesmente, aumentar o número dos moralistas, com a diferença de que, manifestando- se por toda parte, tanto se fazem ouvir na choupana, como no palácio, assim pelos ignorantes, como pelos instruídos.
O que o ensino dos Espíritos acrescenta à moral do Cristo é o conhecimento dos princípios que regem as relações entre os mortos e os vivos, princípios que completam as noções vagas que se tinham da alma, de seu passado e de seu futuro, dando por sanção à doutrina cristã as próprias leis da Natureza. Com o auxílio das novas luzes que o Espiritismo e os Espíritos espargem, o homem se reconhece solidário com todos os seres e compreende essa solidariedade; a caridade e a fraternidade se tornam uma necessidade social; ele faz por convicção o que fazia unicamente por dever, e o faz melhor.
Somente quando praticarem a moral do Cristo, poderão os homens dizer que não mais precisam de moralistas encarnados ou desencarnados. Mas, também, Deus, então, já não lhos enviará.

57. Uma das questões mais importantes, entre as propostas no começo deste capítulo, é a seguinte: Que autoridade tem a revelação espírita, uma vez que emana de seres de limitadas luzes e não infalíveis? A objeção seria ponderosa,  se essa revelação consistisse apenas no ensino dos Espíritos, se deles exclusivamente a devêssemos receber e houvéssemos de aceitá-la de olhos fechados. Perde, porém, todo valor, desde que o homem concorra para a revelação com o seu raciocínio e o seu critério; desde que os Espíritos se limitam a pô-lo no caminho das deduções que ele pode tirar da observação dos fatos. Ora, as manifestações, nas suas inumeráveis modalidades, são fatos que o homem estuda para lhes deduzir a lei, auxilido  nesse trabalho por Espíritos de todas as categorias, que, de tal modo, são mais colaboradores seus do que reveladores, no sentido usual do termo. Ele lhes submete os dizeres ao cadinho da lógica e do bom-senso: desta maneira se beneficia dos conhecimentos especiais de que os Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar o uso da própria razão.
Sendo os Espíritos unicamente as almas dos homens, comunicando-nos com eles não saímos fora da Humanidade, circunstância capital a considerar-se. Os homens de gênio, que foram fachos da Humanidade, vieram do mundo dos Espíritos e para lá voltaram, ao deixarem a Terra. Dado que os Espíritos podem comunicar-se com os homens, esses mesmos gênios podem dar-lhes instruções sob a forma espiritual, como o fizeram sob a forma corpórea. Podem instruir-nos, depois de terem morrido, tal qual faziam quando vivos; apenas, são invisíveis, em vez de serem visíveis; essa a única diferença. Não devem ser menores do que eram a experiência e o saber que possuem e, se a palavra deles, como homens, tinha autoridade, não na pode ter menos, somente por estarem no mundo dos Espíritos.

58. Mas, nem só os Espíritos superiores se manifestam; fazem-no igualmente os de todas as categorias e preciso era que assim acontecesse, para nos iniciarmos no que respeita ao verdadeiro caráter do mundo espiritual, apresentando-se-nos este por todas as suas faces. Daí resulta serem mais íntimas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível e mais evidente a conexidade entre os dois. Vemos assim mais claramente donde procedemos e para onde iremos. Esse o objeto essencial das manifestações. Todos os Espíritos, pois, qualquer que seja o grau de elevação em que se encontrem, alguma coisa nos ensinam; cabe-nos, porém, a nós, visto que eles são mais ou menos esclarecidos, discernir o que há de bom ou de mau no que nos digam e tirar, do ensino que nos dêem, o proveito possível. Ora, todos, quaisquer que sejam, nos podem ensinar ou revelar coisas que ignoramos e que sem eles nunca saberíamos.

59. Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita, individualidades poderosas, mas de ação restrita e de lenta propagação. Viesse um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés, Sócrates ou Platão, revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo espiritual, quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de cepticismo? Não o tomariam por sonhador ou utopista? Mesmo que fosse verdade absoluta o que dissesse, séculos se escoariam antes que as massas humanas lhe aceitassem as idéias. Deus, em sua sabedoria, não quis que assim acontecesse; quis que o ensino fosse dado pelos próprios Espíritos, não por encarnados, a fim de que aqueles convencessem da sua existência a estes últimos e quis que isso ocorresse por toda a Terra simultaneamente, quer para que o ensino se propagasse com maior rapidez, quer para que, coincidindo em toda parte, constituísse uma prova da verdade, tendo assim cada um o meio de convencer-se a si próprio.

60. Os Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitirem, inteiramente pronta, nenhuma ciência. Com relação ao que o homem pode achar por si mesmo, eles o deixam entregue às suas próprias forças. Isso sabem-no hoje perfeitamente os espíritas. De há muito, a experiência há demonstrado ser errôneo atribuir-se aos Espíritos todo o saber e toda a sabedoria e supor-se que baste a quem quer que seja dirigir-se ao primeiro Espírito que se apresente para conhecer todas as coisas. Saídos da Humanidade, eles constituem uma de suas faces. Assim como na Terra, no plano invisível também os há superiores e vulgares; muitos, pois, que, científica e filosoficamente, sabem menos do que certos homens; eles dizem o que sabem, nem mais, nem menos.
Do mesmo modo que os homens, os Espíritos mais adiantados podem instruir-nos sobre maior porção de coisas, dar-nos opiniões mais judiciosas, do que os atrasados. Pedir o homem conselhos aos Espíritos não é entrar em entendimento com potências sobrenaturais; é tratar com seus iguais, com aqueles mesmos a quem ele se dirigiria neste mundo; a seus parentes, seus amigos, ou a indivíduos mais esclarecidos do que ele. Disto é que importa se convençam todos e é o que ignoram os que, não tendo estudado o Espiritismo, fazem idéia completamente falsa da natureza do mundo dos Espíritos e das relações com o além-túmulo.

61. Qual, então, a utilidade dessas manifestações, ou, se o preferirem, dessa revelação, uma vez que os Espíritos não sabem mais do que nós, ou não nos dizem tudo o que sabem? Primeiramente, como já o declaramos, eles se abstém de nos dar o que podemos adquirir pelo trabalho; em segundo lugar, há coisas cuja revelação não lhes é permitida, porque o grau do nosso adiantamento não as comporta. Afora isto, as condições da nova existência em que se acham lhes dilatam o círculo das percepções: eles vêem o que não viam na Terra; libertos dos entraves da matéria, isentos dos cuidados da vida corpórea, apreciam as coisas de um ponto de vista mais elevado e, portanto, mais são; a perspicácia de que gozam abrange mais vasto horizonte; compreendem seus erros, retificam suas idéias e se desembaraçam dos prejuízos humanos.
É nisto que consiste a superioridade dos Espíritos com relação à humanidade corpórea e daí vem a possibilidade de serem seus conselhos, segundo o grau de adiantamento que alcançaram, mais judiciosos e desinteressados do que os dos encarnados. O meio em que se encontram lhes permite, ao demais, iniciar-nos nas coisas, que ignoramos, relativas à vida futura e que não podemos aprender no meio em que estamos. Até ao presente, o homem apenas formulara hipóteses sobre o seu porvir; tal a razão por que suas crenças a esse respeito se fracionaram em tão numerosos e divergentes sistemas, desde o nadismo até as concepções fantásticas do inferno e do paraíso. Hoje, são as testemunhas oculares, os próprios atores da vida de além-túmulo que nos vêm dizer em que se tornaram e só eles o podiam fazer

 



Do livro: “A GÊNESE” OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO –  POR ALLAN KARDEC - Editora Feb





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