terça-feira, 19 de novembro de 2013

Da Obsessão - IV





249. Os meios de se combater a obsessão variam, de acordo com o caráter que ela reveste. Não existe realmente perigo para o médium que se ache bem convencido de que está a haver-se com um Espírito mentiroso, como sucede na obsessão simples; esta não passa então, para ele, de fato desagradável. Mas, precisamente porque lhe é desagradável constitui uma razão de mais para que o Espírito se encarnice em vexá-lo. Duas coisas essenciais se têm que fazer nesse caso: provar ao Espírito que não está iludido por ele e que lhe é impossível enganar; depois, cansar-lhe a paciência, mostrando-se mais paciente que ele. Desde que se convença de que está a perder o tempo, retirar-se-á, como fazem os importunos a quem não se dá ouvidos. Isto, porém, nem sempre basta e pode levar muito tempo, porquanto Espíritos há tenazes, para os quais meses e anos nada são. Além disso, portanto, deve o médium dirigir um apelo fervoroso ao seu anjo bom, assim como aos bons Espíritos que lhe são simpáticos, pedindo-lhes que o assistam. Quanto ao Espírito obsessor, por mau que seja, deve tratá-lo com severidade, mas com benevolência e vencê-lo pelos bons processos, orando por ele. Se for realmente perverso, a princípio zombará desses meios; porém, moralizado com perseverança, acabará por emendar-se. É uma conversão a empreender, tarefa muitas vezes penosa, ingrata, mesmo desagradável, mas cujo mérito está na dificuldade que ofereça e que, se bem desempenhada, dá sempre a satisfação de se ter cumprido um dever de caridade e, quase sempre, a de ter-se reconduzido ao bom caminho uma alma perdida.
Convém igualmente se interrompa toda comunicação escrita, desde que se reconheça que procede de um Espírito mau, que a nenhuma razão quer atender, a fim de se lhe não dar o prazer de ser ouvido. Em certos casos, pode até convir que o médium deixe de escrever por algum tempo, regulando-se então pelas circunstâncias. Entretanto, se o médium escrevente pode evitar essas confabulações, outro tanto já não se dá com o médium audiente, que o Espírito obsessor persegue às vezes a todo instante com as suas proposições grosseiras e obscenas e que nem sequer dispõe do recurso de tapar os ouvidos. Aliás, cumpre se reconheça que algumas pessoas se divertem com a linguagem trivial dessa espécie de Espíritos, que os animam e provocam com o rirem de suas tolices, em vez de lhes imporem silêncio e de os moralizarem. Os nossos conselhos não podem servir a esses, que desejam afogar-se.

250. Apenas aborrecimento há, pois, e não perigo, para todo médium que não se deixe ludibriar, porque não poderá ser enganado. Muito diverso é o que se dá com a fascinação, porque então não tem limites o domínio que o Espírito assume sobre o encarnado de quem se apoderou. A única coisa a fazer-se com a vítima é convencê-la de que está sendo ludibriada e reconduzir-lhe a obsessão ao caso da obsessão simples. Isto, porém, nem sempre é fácil, dado que algumas vezes não seja mesmo impossível. Pode ser tal o ascendente do Espírito, que torne o fascinado surdo a toda sorte de raciocínio, podendo chegar até, quando o Espírito comete alguma grossa heresia científica, a pô-lo em dúvida sobre se não é a ciência que se acha em erro. Como já dissemos, o fascinado, geralmente, acolhe mal os conselhos; a crítica o aborrece, irrita e o faz tomar quizila dos que não partilham da sua admiração. Suspeitar do Espírito que o acompanha é quase, aos seus olhos, uma profanação e outra coisa não quer o dito Espírito, pois tudo a que aspira é que todos se curvem diante da sua palavra.
Um deles exercia, sobre pessoa do nosso conhecimento, uma fascinação extraordinária. Evocamo-lo e, depois de  umas tantas fanfarrices, vendo que não lograva mistificar-nos quanto à sua identidade, acabou por confessar que não era quem se dizia. Sendo-lhe perguntado por que ludibriava de tal modo aquela pessoa, respondeu com estas palavras, que pintam claramente o caráter desse gênero de Espírito: Eu procurava um homem que me fosse possível manejar; encontrei-o, não o largo. — Mas se lhe mostrais as coisas como são, ele vos soltará isto: — É o que veremos!
Como não há cego pior do que aquele que não quer ver, reconhecida a inutilidade de toda tentativa para abrir os olhos ao fascinado, o que se tem de melhor a fazer é deixá-lo com as suas ilusões. Ninguém pode curar um doente que se obstina em conservar o seu mal e nele se compraz.
251. A subjugação corporal tira muitas vezes ao obsidiado a energia necessária para dominar o mau Espírito. Daí o tornar-se precisa a intervenção de um terceiro, que atue, ou pelo magnetismo, ou pelo império da sua vontade. Em falta do concurso do obsidiado, essa terceira pessoa deve tomar ascendente sobre o Espírito; porém, como este ascendente só pode ser moral, só a um ser moralmente superior ao Espírito é dado assumi-lo e seu poder será tanto maior, quanto maior for a sua superioridade moral, porque, então, se impõe àquele, que se vê forçado a inclinar-se diante dele. Por isso é que Jesus tinha tão grande poder para expulsar o a que naquela época se chamava demônio, isto é, os maus Espíritos obsessores.
Aqui, não podemos oferecer mais do que conselhos gerais, porquanto nenhum processo material existe, como, sobretudo, nenhuma fórmula, nenhuma palavra sacramental, com o poder de expelir os Espíritos obsessores. Às vezes, o que falta ao obsidiado é força fluídica suficiente; nesse caso, a ação magnética de um bom magnetizador lhe pode ser de grande proveito. Contudo, é sempre conveniente procurar, por um médium de confiança, os conselhos de um Espírito superior, ou do anjo guardião.
252. As imperfeições morais do obsidiado constituem, freqüentemente, um obstáculo à sua libertação. Aqui vai um exemplo notável, que pode servir para instrução de todos. Havia umas irmãs que se encontravam, desde alguns anos, vítimas de depredações muito desagradáveis. Suas roupas eram incessantemente espalhadas por todos os cantos da casa e até pelos telhados, cortadas, rasgadas e crivadas de buracos, por mais cuidado que tivessem em guardá-las à chave. Essas senhoras, vivendo numa pequena localidade de província, nunca tinham ouvido falar de Espiritismo.
A primeira idéia que lhes veio foi, naturalmente, a de que estavam às voltas com brincalhões de mau gosto. Porém, a persistência e as precauções que tomavam lhes tiraram essa idéia. Só muito tempo depois, por algumas indicações, acharam que deviam procurar-nos, para saberem a causa de tais depredações e lhes darem remédio, se fosse possível.
Sobre a causa não havia dúvida; o remédio era mais difícil. O Espírito que se manifestava por semelhantes atos era evidentemente malfazejo. Evocado, mostrou-se de grande perversidade e inacessível a qualquer sentimento bom. A prece, no entanto, pareceu exercer sobre ele uma influência salutar. Mas, após algum tempo de interrupção, recomeçaram as depredações. Eis o conselho que a propósito nos deu um Espírito superior:
“O que essas senhoras têm de melhor a fazer é rogar aos Espíritos seus protetores que não as abandonem. Nenhum conselho melhor lhes posso dar do que o de dizer-lhes que desçam ao fundo de suas consciências, para se confessarem a si mesmas e verificarem se sempre praticaram o amor do próximo e a caridade. Não falo da caridade que consiste em dar e distribuir, mas da caridade da língua; pois, infelizmente, elas não sabem conter as suas e não demonstram, por atos de piedade, o desejo que têm de se livrarem daquele que as atormenta. Gostam muito de maldizer do próximo e o Espírito que as obsidia toma sua desforra, porquanto, em vida, foi para elas um burro de carga. Pesquisem na memória e logo descobrirão quem ele é. “Entretanto, se, conseguirem melhorar-se, seus anjos guardiães se aproximarão e a simples presença deles bastará para afastar o mau Espírito, que não se agarrou a uma delas em particular, senão porque o seu anjo guardião teve que se afastar, por efeito de atos repreensíveis, ou maus pensamentos. O que precisam é fazer preces fervorosas pelos que sofrem e, principalmente, praticar as virtudes impostas por Deus a cada um, de acordo com a sua condição.”
Como ponderássemos que essas palavras pareciam um tanto severas e que talvez fosse conveniente adoçá-las, para serem transmitidas, o Espírito acrescentou: “Devo dizer o que digo e como digo, porque as pessoas de quem se trata têm o hábito de supor que nenhum mal fazem com a língua, quando o fazem muitíssimo. Por isso, preciso é ferir-lhes o Espírito, de maneira que lhes sirva de advertência séria.” Ressalta do que fica dito um ensinamento de grande alcance: que as imperfeições morais dão azo à ação dos Espíritos obsessores e que o mais seguro meio de a pessoa se livrar deles é atrair os bons pela prática do bem. Sem dúvida, os bons Espíritos têm mais poder do que os maus, e a vontade deles basta para afastar estes últimos; eles, porém, só assistem os que os secundam pelos esforços que fazem por melhorar-se, sem o que se afastam e deixam o campo livre aos maus, que se tornam assim, em certos casos, instrumentos de punição, visto que os bons permitem que ajam para esse fim.


Do Livro: “O Livro Dos Médiuns” Allan Kardec – Feb.

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