...Se ele é mau, sempre se trai, por mais hipócrita que seja.
Pode, pois, dizer-se que a mediunidade permite se veja o inimigo face a face,
se assim nos podemos exprimir, e combatê-lo com suas próprias armas. Sem essa
faculdade, ele age na sombra e, tendo a seu favor a invisibilidade, pode fazer
e faz realmente muito mal. A quantos atos não é o homem impelido, para desgraça
sua, e que teria evitado, se dispusesse de um meio de esclarecer-se! Os
incrédulos não imaginam enunciar uma verdade, quando dizem de um homem que se
transvia obstinadamente: “É o seu mau gênio que o impele à própria perda.”
Assim, o conhecimento do Espiritismo, longe de facilitar o predomínio dos maus Espíritos,
há de ter como resultado, em tempo mais ou menos próximo, e quando se achar
propagado, destruir esse predomínio, dando a cada um os meios de se pôr em guarda contra as
sugestões deles. Aquele então que sucumbir só de si terá que se queixar.
Regra geral: quem quer que receba más comunicações espíritas,
escritas ou verbais, está sob má influência; essa influência se exerce sobre
ele, quer escreva, quer não, isto é, seja ou não seja médium, creia ou não
creia. A escrita faculta um meio de ser apreciada a natureza dos Espíritos que sobre ele atuam e de serem combatidos, se forem maus, o que
se consegue com mais êxito quando se chega a conhecer os motivos da ação que
desenvolvem. Se bastante cego é ele para o não compreender, podem outros
abrir-lhe os olhos.
Em resumo: o perigo não está no Espiritismo, em si mesmo, pois
que este pode, ao contrário, servir-nos de governo e preservar-nos do risco que
corremos incessantemente, à revelia nossa. O perigo está na orgulhosa propensão
de certos médiuns para, muito levianamente, se julgarem instrumentos exclusivos
de Espíritos superiores e nessa espécie de fascinação que lhes não permite
compreender as tolices de que são intérpretes. Mesmo os que não são médiuns
podem deixar-se apanhar. Façamos uma comparação.
Um homem tem um inimigo secreto, a quem não conhece e que contra
ele espalha sub-repticiamente a calúnia e tudo o que a mais negra maldade possa inventar. O infeliz vê a sua fortuna perder-se, afastarem-se seus amigos, perturbada a sua ventura íntima. Não podendo descobrir a mão que o fere, impossibilitado se acha de defender-se e
sucumbe. Mas, um belo dia, esse inimigo oculto lhe escreve e se trai, não
obstante todos os ardis de que se vale.
Eis descoberto o perseguidor do pobre homem, que desde então pode confundi-lo e se reabilitar. Tal o papel dos maus Espíritos,
que o Espiritismo nos proporciona a possibilidade de conhecer e desmascarar.
245. As causas da obsessão variam, de acordo com o
caráter do Espírito. É, às vezes, uma vingança que este toma de um indivíduo de
quem guarda queixas da sua vida presente ou do tempo de outra existência.
Muitas vezes, também, não há mais do que o desejo de fazer mal: o Espírito,
como sofre, entende de fazer que os outros sofram; encontra uma espécie de gozo
em os atormentar, em os vexar, e a impaciência que por isso a vítima demonstra
mais o exacerba, porque esse é o objetivo que colima, ao passo que a paciência o
leva a cansar-se. Com o irritar-se e mostrar-se despeitado, o perseguido faz
exatamente o que quer o seu perseguidor.
Esses Espíritos agem, não raro por ódio e inveja do bem; daí o
lançarem suas vistas malfazejas sobre as pessoas mais honestas. Um deles se
apegou como “tinha” a uma honrada família do nosso conhecimento, à qual, aliás,
não teve a satisfação de enganar. Interrogado acerca do motivo por que se
agarrara a pessoas distintas, em vez de o fazer a homens maus como ele,
respondeu: estes não me causam inveja. Outros são guiados por um sentimento de covardia,
que os induz a se aproveitarem da fraqueza moral de certos indivíduos, que eles
sabem incapazes de lhes resistirem. Um destes últimos, que subjulgava um rapaz de
inteligência muito apoucada, interrogado sobre os motivos dessa escolha,
respondeu: Tenho grandíssima necessidade de atormentar alguém; uma pessoa criteriosa me repeliria; ligo-me
a um idiota, que nenhuma força me opõe.
246. Há, Espíritos obsessores sem maldade, que alguma
coisa mesmo denotam de bom, mas dominados pelo orgulho do falso saber. Têm suas
ideias, seus sistemas sobre as ciências, a economia social, a moral, a
religião, a filosofia, e querem fazer que suas opiniões prevaleçam. Para esse
efeito, procuram médiuns bastante crédulos para os aceitar de olhos fechados e
que eles fascinam, a fim de os impedir de discernirem o verdadeiro do falso.
São os mais perigosos, porque os sofismas nada lhes custam e podem tornar
cridas as mais ridículas utopias. Como conhecem o prestígio dos grandes nomes,
não escrupulizam em se adornarem com um daqueles diante dos quais todos se
inclinam, e não recuam sequer ante o sacrilégio de se dizerem Jesus, a Virgem Maria,
ou um santo venerado. Procuram deslumbrar por meio de uma linguagem empolada,
mais pretensiosa do que profunda, eriçada de termos técnicos e recheada das retumbantes
palavras –– caridade e moral. Cuidadosamente evitarão dar um mau conselho,
porque bem sabem que seriam repelidos. Daí vem que os que são por eles
enganados os defendem, dizendo: Bem vedes que nada dizem de mau.
A moral, porém, para esses Espíritos é simples passaporte, é o
que menos os preocupa. O que querem, acima de tudo, é impor suas idéias por
mais disparatadas que sejam.
247. Os Espíritos dados a sistemas são geralmente escrevinhadores,
pelo que buscam os médiuns que escrevem com facilidade e dos quais tratam de
fazer instrumentos dóceis e, sobretudo, entusiastas, fascinando-os. São quase
sempre verbosos, muito prolixos, procurando compensar a qualidade pela
quantidade. Comprazem-se em ditar, aos seus intérpretes, volumosos escritos
indigestos e freqüentemente pouco inteligíveis, que, felizmente, têm por antídoto
a impossibilidade material de serem lidos pelas massas. Os Espíritos
verdadeiramente superiores são sóbrios de palavras; dizem muita coisa em poucas
frases. Segue- se que aquela fecundidade prodigiosa deve sempre ser suspeita.
Nunca será demais toda a circunspecção, quando se trate de
publicar semelhantes escritos. As utopias e as excentricidades, que neles por
vezes abundam e chocam o bom-senso, produzem lamentável impressão nas pessoas ainda
noviças na Doutrina, dando-lhes uma idéia falsa do Espiritismo, sem mesmo se levar em conta que são armas de que se
servem seus inimigos, para ridiculizá-lo. Entre tais publicações, algumas há
que, sem serem más e sem provirem de um obsessão, podem considerar-se imprudentes,
intempestivas, ou desazadas.
248. Acontece muito freqüentemente que um médium só se
pode comunicar com um único Espírito, que a ele se liga e responde pelos que
são chamados por seu intermédio.
Nem sempre há nisso uma obsessão, porquanto o fato pode derivar
da falta de maleabilidade do médium, de uma afinidade especial sua com tal ou
tal Espírito. Somente há obsessão propriamente dita, quando o Espírito se impõe
e afasta intencionalmente os outros, o que jamais é obra de um Espírito bom.
Geralmente, o Espírito que se apodera do médium, tendo em vista dominá-lo, não
suporta o exame crítico das suas comunicações; quando vê que não são aceitas, que
as discutem, não se retira, mas inspira ao médium o pensamento de se insular,
chegando mesmo, não raro, a ordenar-lho. Todo médium, que se melindra com a
crítica das comunicações que obtém, faz-se eco do Espírito que o domina,
Espírito esse que não pode ser bom, desde que lhe inspira um pensamento
ilógico, qual o de se recusar ao exame. O insulamento do médium é sempre coisa
deplorável para ele, porque fica sem uma verificação das comunicações que
recebe. Não somente deve buscar a opinião de terceiros para esclarecer-se, como
também necessário lhe é estudar todos os gêneros de comunicações, a fim de as comparar.
Restringindo-se às que lhe são transmitidas, expõe-se a se iludir sobre o valor
destas, sem considerar que não lhe é dado tudo saber e que elas giram quase
sempre dentro do mesmo círculo. (Nº 192 — Médiuns exclusivos.)
Do Livro:
“O Livro Dos Médiuns” Allan Kardec – Feb.
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