Suas manifestações, conseguintemente, serviram para dar-nos a
conhecer o mundo invisível que nos rodeia e do qual nem suspeitávamos e só esse
conhecimento seria de capital importância, dado mesmo que nada mais pudessem os Espíritos ensinar-nos.
Se fordes a um país que ainda não conheçais, recusareis as
informações que vos dê o mais humilde campônio que encontrardes? Deixareis de interrogá-lo
sobre o estado dos caminhos, simplesmente por ser ele um camponês? Certamente não
esperareis obter, por seu intermédio, esclarecimentos de grande alcance, mas,
de acordo com o que ele é na sua esfera, poderá, sobre alguns pontos,
informar-vos melhor do que um sábio, que não conheça o país. Tirareis das suas
indicações deduções que ele próprio não tiraria, sem que por isso deixe de ser
um instrumento útil às vossas observações, embora apenas servisse para vos
informar acerca dos costumes dos camponeses. Outro tanto se dá no que concerne
às nossas relações com os Espíritos, entre os quais o menos qualificado pode
servir para nos ensinar alguma coisa.
62. Uma comparação vulgar tornará ainda melhor
compreensível a situação. Parte para destino longínquo um navio carregado de emigrantes.
Leva homens de todas as condições, parentes e amigos dos que ficam. Vem-se a
saber que esse navio naufragou. Nenhum vestígio resta dele, nenhuma notícia chega
sobre a sua sorte. Acredita-se que todos os passageiros pereceram e o luto
penetra em todas as suas famílias.
Entretanto, a equipagem inteira, sem faltar um único homem, foi
ter a uma ilha desconhecida, abundante e fértil, onde todos passam a viver
ditosos, sob um céu clemente.
Ninguém, todavia, sabe disso. Ora, um belo dia, outro navio aporta
a essa terra e lá encontra sãos e salvos os náufragos. A feliz nova se espalha
com a rapidez do relâmpago. Exclamam todos: “Não estão perdidos os nossos
amigos!” E rendem graças a Deus. Não podem ver-se uns aos outros, mas
correspondem-se; permutam demonstrações de afeto e, assim, a alegria substitui
a tristeza.
Tal a imagem da vida terrena e da vida de além-túmulo, antes e
depois da revelação moderna. A última, semelhante ao segundo navio, nos traz a
boa-nova da sobrevivência dos que nos são caros e a certeza de que a eles nos
reuniremos um dia. Deixa de existir a dúvida sobre a sorte deles e a nossa. O
desânimo se desfaz diante da esperança. Mas, outros resultados fecundam essa
revelação.
Achando madura a Humanidade para penetrar o mistério do seu
destino e contemplar, a sangue-frio, novas maravilhas, permitiu Deus fosse
erguido o véu que ocultava o mundo invisível ao mundo visível. Nada têm de
extra-humanas as manifestações; é a humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal e dizer-lhe: “Nós existimos, logo, o nada não existe; eis o que
somos e o que sereis; o futuro vos pertence, como a nós.
Caminhais nas trevas, vimos clarear-vos o caminho e traçar-vos o
roteiro; andais ao acaso, vimos apontar-vos a meta. A vida terrena era, para
vós, tudo, porque nada víeis além dela; vimos dizer-vos, mostrando a vida
espiritual: a vida terrestre nada é. A vossa visão se detinha no túmulo, nós
vos desvendamos, para lá deste, um esplêndido horizonte. Não sabíeis por que sofreis na Terra; agora,
no sofrimento, vedes a justiça de Deus. O bem nenhum fruto aparente produzia
para o futuro. Doravante, ele terá uma finalidade e constituirá uma necessidade;
a fraternidade, que não passava de bela teoria, assenta agora numa lei da
Natureza. Sob o domínio da crença de que tudo acaba com a vida, a imensidade é
o vazio, o egoísmo reina soberano entre vós e a vossa palavra de ordem é: “Cada
um por si.” Com a certeza do porvir, os espaços infinitos se povoam ao
infinito, em parte alguma há o vazio e a solidão; a solidariedade liga todos os
seres, aquém e além da tumba. É o reino da caridade, sob a divisa: “Um por
todos e todos por um.” Enfim, ao termo da vida, dizíeis eterno adeus aos que
vos são caros; agora, dir-lhes-eis: ‘Até breve!’”
Tais, em resumo, os resultados da revelação nova, que veio
encher o vácuo que a incredulidade cavara, levantar os ânimos abatidos pela
dúvida ou pela perspectiva do nada e imprimir a todas as coisas uma razão de ser.
Carecerá de importância esse resultado, apenas porque os Espíritos não vêm resolver
os problemas da Ciência, dar saber aos ignorantes e aos preguiçosos os meios de
se enriquecerem sem trabalho? Nem só, entretanto, à vida futura dizem respeito
os frutos que o homem deve colher dela. Ele os saboreará na Terra, pela
transformação que estas novas crenças hão de necessariamente operar no seu
caráter, nos seus gostos, nas suas tendências e, por conseguinte, nos hábitos e
nas relações sociais. Pondo fim ao reino do egoísmo, do orgulho e da incredulidade,
elas preparam o do bem, que é o reino de Deus, anunciado pelo Cristo.1
1 A anteposição do
artigo à palavra Cristo
(do
grego Cristos, ungido), empregada
em sentido absoluto, é mais correta, atento que essa palavra não é o nome do
Messias de Nazaré, mas uma qualidade tomada substantivamente. Dir-se-á, pois:
Jesus era Cristo; era o Cristo; era o Cristo anunciado; a morte do Cristo e não de Cristo, ao passo que se
diz: a morte de
Jesus e
não do
Jesus.
Em Jesus-Cristo, as duas palavras
reunidas formam um só nome próprio.
É pela mesma razão
que se diz: o
Buda;
Gautama conquistou a dignidade de Buda por suas virtudes e
austeridades. Diz-se: a vida do Buda, do mesmo modo
que: o exército do
Faraó e
não de
Faraó; Henrique
IV era rei; o título de rei; a morte do rei e não de rei.
Do livro: “A
GÊNESE” OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO – POR ALLAN KARDEC - Editora Feb
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