2º Deus é ou não mais poderoso do que os maus Espíritos, ou do
que os demônios, se assim lhes quiserdes chamar?
3º Afirmar que só os maus se comunicam é dizer que os bons não o
podem fazer. Sendo assim, uma de duas: ou isto se dá pela vontade, ou contra a
vontade de Deus. Se contra a Sua vontade, é que os maus Espíritos podem mais do
que Ele; se, por vontade Sua, por que, em Sua bondade, não permitiria Ele que
os bons fizessem o mesmo, para contrabalançar a influência dos outros?
4º Que provas podeis apresentar da impossibilidade em que estão
os bons Espíritos de se comunicarem?
5º Quando se vos opõe a sabedoria de certas comunicações, respondeis
que o demônio usa de todas as máscaras para melhor seduzir. Sabemos, com
efeito, haver Espíritos hipócritas, que dão à sua linguagem um verniz de
sabedoria; mas, admitis que a ignorância pode falsificar o verdadeiro saber e
uma natureza má imitar a verdadeira virtude, sem deixar vestígio que denuncie a
fraude?
6º Se só o demônio se comunica, sendo ele o inimigo de Deus e
dos homens, por que recomenda que se ore a Deus, que nos submetamos à vontade
de Deus, que suportemos sem queixas as tribulações da vida, que não ambicionemos
as honras, nem as riquezas, que pratiquemos a caridade e todas as máximas do
Cristo, numa palavra: que façamos tudo o que é preciso para lhe destruir o
império, dele, demônio? Se tais conselhos o demônio é quem os dá, forçoso será
convir em que, por muito manhoso que seja, bastante inábil é ele, fornecendo armas
contra si mesmo1.
1 Esta questão foi tratada em O Livro dos Espíritos (números 128 e seguintes); mas, com relação a este assunto, como
acerca de tudo o que respeita à parte religiosa, recomendamos a brochura
intitulada:
Carta de um católico sobre o Espiritismo, do Dr. Grand, ex-cônsul da França (à venda na Livraria Ledoyen,
in-18; preço 1 franco), bem como a que vamos publicar sob o título: Os contraditores do Espiritismo, do ponto de vista da religião, da ciência e do
materialismo.
7º Pois que os Espíritos se comunicam, é que Deus o permite. Em
presença das boas e das más comunicações, não será mais lógico admitir-se que umas Deus as permite
para nos experimentar e as outras para nos aconselhar ao bem?
8º Que direis de um pai que deixasse o filho à mercê dos exemplos
e dos conselhos perniciosos, e que o afastasse de si; que o privasse do
contacto com as pessoas que o pudessem desviar do mal? Ser-nos-á lícito supor
que Deus procede como um bom pai não procederia, e que, sendo ele a bondade por
excelência, faça menos do que faria um homem?
9º A Igreja reconhece como autênticas certas manifestações da
Virgem e de outros santos, em aparições, visões, comunicações orais, etc. Essa
crença não está em contradição com a doutrina da comunicação exclusiva dodemônios?
Acreditamos que algumas pessoas hajam professado de boa-fé essa
teoria; mas, também cremos que muitas a adotaram unicamente com o fito de fazer
que outras fugissem de ocupar-se com tais coisas, pelo temor das comunicações más,
a cujo recebimento todos estão sujeitos. Dizendo que só o diabo se manifesta,
quiseram aterrorizar, quase como se faz com uma criança a quem se diz: não toques
nisto, porque queima. A intenção pode ter sido louvável; porém, o objetivo
falhou, porquanto a só proibição basta para excitar a curiosidade e bem poucos
são aqueles a quem o medo do diabo tolhe a iniciativa. Todos querem vê-lo,
quando mais não seja para saber como é feito e muito espantados ficam por não o
acharem tão feio como o imaginavam.
E não se poderia achar também outro motivo para essa teoria
exclusiva do diabo? Gente há, para quem todos os que não lhe são do mesmo
parecer estão em erro. Ora, os que pretendem que todas as comunicações provêm
do demônio não serão a isso induzidos pelo receio de que os Espíritos não
estejam de acordo com eles sobre todos os pontos, mais ainda sobre os que se
referem aos interesses deste mundo, do que sobre os que concernem aos do outro?
Não podendo negar os fatos, entenderam de apresentá-los sob forma apavorante.
Esse meio, entretanto, não produziu melhor resultado do que os outros. Onde o
temor do ridículo se mostre impotente, forçoso é se deixem passar as coisas.
O muçulmano, que ouvisse um Espírito falar contra certas leis do
Alcorão, certamente acreditaria tratar-se de um mau Espírito. O mesmo se daria
com um judeu, pelo que toca a certas práticas da lei de Moisés. Quanto aos católicos,
de um ouvimos que o Espírito que se comunica não podia deixar de ser o diabo, porque se permitira a liberdade de pensar de
modo diverso do dele, acerca do poder temporal, se bem que, em suma, o Espírito
não houvesse pregado senão a caridade, a tolerância, o amor do próximo e a
abnegação das coisas deste mundo, preceitos todos ensinados pelo Cristo.
Não sendo os Espíritos mais do que as almas dos homens e não sendo estes perfeitos, o que se segue é que há Espíritos
igualmente imperfeitos, cujos caracteres se refletem nas suas comunicações. É
fato incontestável haver, entre eles, maus, astuciosos, profundamente
hipócritas, contra os quais preciso se faz que estejamos em guarda. Mas, porque
se encontram no mundo homens perversos, é isto motivo para nos afastarmos de
toda a sociedade? Deus nos outorgou a razão e o discernimento para apreciarmos,
assim os Espíritos, como os homens. O melhor meio de se obviar aos
inconvenientes da prática do Espiritismo não consiste em proibi-la, mas em
fazê-lo compreendido. Um receio imaginário apenas por um instante impressiona e
não atinge a todos. A realidade claramente demonstrada, todos a compreendem...
Allan Kardec – “ O Livro Dos Médiuns” - Feb.
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